AS GARÇAS DO DMAE

Somos como as garças
Que voam para o Dmae
Para buscar o alimento
Nas águas de seus decantadores
E depois migram com o vento...

Mas sem suas asas, meros trabalhadores
Decantamos em seu colo Dmãe
Como seus fiéis filhos servidores
Até migrarmos envelhecidos pelo tempo
Levados na viagem sem volta do vento.

ILUSTRAÇÃO EXTRA - BRINDE DE FINAL DE ANO:

A SÍNTESE DA MATÉRIA

A árvore não apenas cresce, minha filha
Ele vai se auto-construindo dia e noite
Assim com um muro não cresce sozinho
Só aumenta tijolo por tijolo a custa de trabalho
Na mistura de cimento, água e areia
O vegetal junta a luz do sol, gás carbônico e água
E fabrica a matéria que será o seu corpo:
Raízes, tronco, galhos, folhas e frutos
A árvore é perfeita: captura poluição e libera ar puro!
E faz este milagre sem ter idéia disto...como nós.
É, minha filha, como nós os animais, os humanos
Sintetizamos da luz, da água e dos alimentos
Este corpinho que tanta dor de barriga nos dá:
Nós fabricamos o barro do qual somos feitos!
Mas somos imperfeitos: capturamos a natureza com destruição.

Paleta de Cores & Dores

A solitária nuvem branca da manhã azul

Refletida numa negra vidraça fechada

Mais estilhaça de cinza a minha existência

Excluída de penetrar nos róseos lábios da amada.

CAPUZ DO TEMPO


Einstein nos legou a Teoria Universal do Fraterno

Provando que a felicidade perene é um viável capuz

Pois, para tornar um momento feliz eterno

Basta se afastar dele com a velocidade da luz

Para vermos sempre a mesma cena, até no inferno.

SERVENTIA DA MÃO

Não me lastimo

Por ter nascido tão guapo

Destes que faz de guardanapo

Uma serventia da mão.

RE-TROPICALISMO

Quando eu soltar as amarras
E sair singrando
Pela vida
Sem horários
Sem destino
No caminho imenso
Do tempo
Que me restar...
Vou finalmente
Caminhar contra o vento
Com lenço
E com documento
Nos bolsos e nas mãos
Pra mostrar
Que ainda sou eu
Que estou a caminhar
Que eu ainda
Estou caminhando
Contra o vento
E com documento
Pra provar.

O ANÚNCIO DAS PAUSAS

Pausas indesejadas:
Andro, do homem
Meno, de menstrual da fêmea.
Só que Pausa não é greve
de hormônios dos ovários e testículos
Pausa é falência da produção
de progesterona ou testosterona.
Fica, pois, a dúvida fálica de difícil solução:
Pausa natural ou reposição ou Viagra?...

É a velhice pedindo pausa para a sua anunciação!

LAPIDAR

Eu me lembrei
Que te esqueci
Quando me esqueci
De te lembrar

Lembranças são almas penadas
Que insistem em ressuscitar.

Simulacros

Vi, li e reli
Só não sei dizer
Se compreendi
O que acabo de entender:
Somos como um núcleo de realismo
Com grossas margens de fantasias.
Ou é o contrário:
Somos grossas margens de realismo
Com um núcleo de fantasias?
Ou somos apenas simulacros de ambas?

PELAS JANELAS


Nos edifícios da vizinhança
Na manhã ainda escura
Luzes nas janelas dos banheiros
Projetam vultos fantasmagóricos
No gestual dos braços banhando o corpo.

No difícil ser de que sou herança
Na tarde ainda clara
Escuros nas janelas da mente
    Projetam assombrações paranóicas
No ritual do corpo dominando o espírito.

Pelas janelas espiamos a vida da gente.

Olho no Olho

Quando olho no espelho
E vejo a minha imagem
Olhando para mim mesmo
Com o meu olho olhando a si próprio
Percebo que nem minha imagem é permanente
E entendo a dificuldade de meditar:
O fazer a mente refletir-se como mera mente
Sem as imagens que em pensamentos faz de si
Consolidadas como um Eu, personagem inventado
Para ser nosso roteirista no teatro de marionetes da vida
E que por ser meramente ficção mental
É feito vampiro, não reflete em espelho algum
Mas suga toda a nossa vivência do aqui e agora temporal.

Ecos Culturais

Quando jovem eu era poeta
Poeta da paz na marra e no peito
Dava porrada a torto e a direito
Na cruz, na espada e no capeta

Mas hoje, poeta envelhecido
Eu penso que penso o que penso
Mas no fundo não penso quase nada
Pois quase tudo o que penso que penso
Já foi pensado e em mim só foi copiado.

Acolchoado lunar

A lua minguante de frio
Puxou um edredom de nuvens
E se cobriu de escuro na noite nublada
Pra chorar sua solidão numa chuvarada.

Explorando o Universo


Senhoras e Senhores, respeitável público
Estamos assistindo no escurinho da noite
No conforto de nossas poltronas
Ao grande espetáculo da Terra
Projetado na esfera celeste deste imenso circo
Feito um observatório astronômico
Mostrando os astros do céu noturno
Desfilarem do nascer ao ocaso no horizonte.

Ao focarmos nossos potentes telescópios modernos
Para muito além do nosso jovem sistema solar
Viajando de carona em satélites e sondas espaciais
Podemos observar que no início era um Todo-Uno
Parado na imensidão infinita do universo eterno
Que subitamente – por obra de Deus? – explodiu no Big-Bang
Dando partida ao movimento do tempo-espaço
Há 13,7 bilhões de anos atrás...

Isto mesmo, 13.700.000.000 anos-luz
É a dimensão do raio da esfera do Cosmos
É o tamanho do Universo conhecível
Onde as estrelas são apenas 0,5% da sua massa
E o resto, além da poeira, é feito do inconcebível
De  matéria e energia escura: 90% do Universo!
Pasmem, com toda a tecnologia da civilização humana
Temos ciência de 10%, sabemos de uma parte ínfima
Da matéria que existe e caracteriza o espaço cósmico...

Devido às sua imensas dimensões
O universo é um grande vazio
E, paradoxalmente, tudo é aos bilhões
Assim como em nós há bilhões de células e neurônios
São bilhões de galáxias
Com bilhões de estrelas cada uma
Distantes trilhões de quilômetros umas das outras
Empoeiradas possivelmente com bilhões de planetas
Sendo que três centenas deles já foram localizados...

E agora, sabendo disto tudo, volta a pergunta ontológica:
Quem somos e onde estamos?...
Respondida pelo geocentrismo de Aristóteles e Ptolomeu
Da antiguidade até pouco depois de Cristo ser crucificado
E pela concepção heliocêntrica de Copérnico e Galileu
Na época da luneta em que Cabral descobria o Brasil
E pela lei da gravitação universal da maçã de Newton
E também pela Teoria da Relatividade do tempo-espaço de Einstein
De antes da Revolução Francesa até após a Segunda Guerra Mundial
 Mas...
Contudo, todavia, senhoras e cavalheiros, a pergunta persiste:
Quem somos, onde estamos? Seremos os únicos?...
Ouçamos, pois, o que os lunáticos astrônomos atuais têm a nos dizer:
As estrelas, como o Sol, se formam de nuvens moleculares
Que ao serem perturbadas se colapsam  formando proto-estrelas
E as poeiras restantes se aglutinam gerando dois tipos de  planetas
Os sólidos rochosos e os gasosos feito Júpiter, o maior de todos
Sendo que a pressão gravitacional sobre o núcleo da estrela nascente
Provoca a ignição da fusão nuclear que será sua fonte de energia
Bateria com garantia de vida útil entorno de 10 bilhões de anos...

As grandes nuvens moleculares, berçários de estrelas
São conhecidas como Nebulosas, feito a Nebulosa da Águia
Que formam imagens fantásticas esculpidas pela jovem luz estelar
 Dos aglomerados de estrelas gerados no ventre de uma  Nebulosa
Mas, como nós, a estrela cresce e  envelhece  até ser uma Gigante Vermelha
E, quase todas, as comuns como a nossa, depois encolhem  e viram uma Anã Branca
E igual a todos seres  vivos as estrelas também vão se esfriando e morrem
As maiores explodem como Super Nova, semeando novas nuvens moleculares
Que irão produzir novas estrelas e sistemas planetários, no eterno ciclo cósmico

É bem possível que não sejamos os únicos seres vivos do universo
Pois há outros planetas e satélites habitáveis pela vida terráquea
Bem como é possível que haja outros tipos de vidas alienígenas
Mas é muitíssimo improvável que consigamos contatos mediados
Com civilizações inteligentes e com desenvolvimento tecnológico
Devido às grandes distâncias, pois o sinal de rádio levaria milênios
Para chegar num planeta extra-solar, e outro tanto para se obter a resposta
Sendo alta a probabilidade de que ambas civilizações já tenham sido extintas
Antes que a comunicação se completasse entre nós e os seres extraterrestres
E é praticamente impossível se estabelecer contatos imediatos com ETs
Devido à assombrosa quantidade de energia que seria consumida
Para que ÓVNIS pudessem percorrer tamanhos espaços cósmicos...
Do sol a luz percorre em 8 minutos sua trajetória até a Terra
Da estrela mais próxima a luz leva quatro anos para chegar até nós
No objeto mais distante visível a olho nu, a Galáxia de Andrômeda
Estaremos olhando para a luz de um passado de 3 bilhões de anos
Sendo que alguma estrelas que vemos podem estar mortas há muito tempo...

E assim, caríssimos leitores ouvintes
Será que podemos finalmente responder
Ao enigma que não quer calar
Nem se deixar decifrar:
Quem somos e onde estamos?...

Perfeitamente perfeito
É assim que o mundo foi feito
Sem ninguém saber explicar
Dizer que foi o Big-Bang o autor
Que ao explodir gerou tanto calor
Que deu ignição ao nosso universo estelar
Não responde o que é que explodiu:
E o que havia antes da explosão começar?
Tampouco impossibilita que outros Big-Bangs
Tenham gerado diferentes universos paralelos
E que seja realmente infinito o espaço celeste a brilhar
Do qual, talvez, jamais saberemos desatar os elos
E a pergunta como um cometa vai continuar a vagar:
Quem somos e onde estamos?...

Ronja: saudades y hasta la vista!

Ronja, menina alemã
Que atravessou o Atlântico profundo
Pra ser das minhas filhas uma irmã
E promover um intercâmbio de afetos
Entre o Velho e o Novo Mundo
Entre os descobridores das nações européias
E os descobertos nativos das Américas
Pra nos ensinar em suas andanças e epopéias
Como aprender o idioma português e suas métricas
Além do espanhol, do inglês e do alemão...
Pra nos ensinar com seu jovem exemplo destemido
Como podemos ser do mundo globalizado um cidadão
E por onde andarmos sermos por todos querido.

Ronja, mi hija alemã
Saudades y hasta la vista!

MINHA LUTA ÍNTIMA

Eu luto para que o meu luto
Da dor que choro em silêncio
Sufocada na solidão do peito
Não se transforme em pânico
E transborde de qualquer jeito.
               Eu luto para assimilar o golpe
               Pois agora entendo na carne
               Os ensinamentos sagrados
               Dos velhos mestres do Oriente
               De que há muitas mortes
               De si mesmo em cada um
               Numa mesma existência
               Sob as estrelas do firmamento.
                                Conforme os apelos dos ensinos antigos
                                Luto pela superação dos apegos
                               Com o rompimento dos elos
                               Que unidos formam os egos
                               Que nos aprisionam inconscientes
                               Nos ciclos de desejos de nossas mentes.
 Eu luto para que o meu luto
Da morte da consciência-de-mim
Fundada em automatismos sem fim
Signifique o rompimento da ignorância ávida
Da verdadeira natureza dos fenômenos da vida.

ILUMINAÇÃO DE LEÃO AMANSADO

Dizem que devo meditar e dominar a mente
Mas para quê fim? - Alguém pode perguntar
Para amansá-la como um leão de circo
Afim de que faça os meus desejos?
Não estarei perdendo, talvez, o melhor de mim
A essência que distingue o meu eu dos outros?

Como resposta devolvo outras perguntas aos quatro ventos:
O que são os meus desejos, senão sociais condicionamentos?
Desejo ser eu mesmo ou o que todos esperam de mim?
Como posso ser eu mesmo entre tantos outros iguais
Incutidos da mesma mente feita cultura massificada?

Freud, Iung, Lacan e Buda já desvendaram, por sinal
Que a mente é uma prisão educacional
Uma cela solitária do eu de ilusão do homem
Um eu feito leão de circo amansado para o espetáculo
(Atração que, aliás, já foi proibida devido aos maus tratos
Já foi banida em todo o mundo minimamente civilizado)

Por isto devemos dominar a meditação silenciosa
Para escaparmos dos maus tratos da mente dominadora
E, quem sabe, para acessarmos a essência misteriosa
Do que nos distingue e do que nos confunde com os outros

Devemos meditar até conquistarmos também a proibição
Dos maus tratos institucionais sobre a consciência coletiva do povo
Meditar até conseguirmos o super-homem livre: até a iluminação!

Equinócio da Renovação

Eu acho que você acha
Que eu não acho nada
Mas eu vou dizer
O que eu acho:
Eu não acho certo
Você achar
Que eu não acho nada
Eu acho
Que você acha errado
Em não achar
Que eu também acho
Que o nosso amor
Está...renovado.

INOCÊNCIA LÓGICA PRESUMIDA

Quero deixar provado
Que a prova
Que pretende provar
Nunca prova nada.
         Quero deixar provado
         Que não há prova
         Que prove alguma coisa
         Com aprovação geral.
                  Como não há prova
                  De que há provas
                  Logo há prova
                 De que não há provas.
                          Resulto, pois, inocente
                         Da autoria deste verso
                         Pois nada prova a presumida
                         Fonte em mim de sua nascente.

INCOMUNICABILIDADE

Quem pensa que diz o que pensa
Não diz o que pensa que diz
Apenas diz o que diz
Pensando dizer o que pensa.

O ENGAVETADOR DE POETAS


Poema é como um gaveteiro
Em que cada verso é uma gaveta
Onde engavetamos nossos sentimentos do mundo
Materializados em palavras sólidas
Portanto, como qualquer outro tipo de guardado
Ficam sujeitos à depreciação do tempo

Reler nossos próprios poemas antigos
É como remexer nas gavetas do porão
Com traças, mofos e vãs naftalinas
Pois, no máximo, ficam fora de moda, fora de época
Mas sempre desvelam peças esquecidas
Que confinam vivos os nossos fantasmas inconscientes.

O poeta fica engavetado em seus poemas.

MINHA MÃE & MINHA MESTRA (MM&MM)

 
Devo tentar compor um poema emotivo
Comemorativo aos 85 anos da Dona Ciça?
Sei que me falta arte e intensidade poética
Para cantar a magia de uma vida tão energética
Especialmente quando esta pessoa é a mãe da gente.
 Mas, enfim, já que comecei, vamos em frente.
Tenho pra mim que poema
É feito do que se vive
E que no viver do dia-a-dia
É que deve ser captado a poesia:
A essência da existência.
 Esta tem sido a minha postura
Que não é de agora, diante desta Senhora:
Usufruir como néctar a bênção da convivência
Captando de cada momento a doçura
Em meio às asperezas das praticidades diárias
Em que buscamos, cada um por si, garantir a sobrevivência
Muitas vezes em condições bem precárias
Mas sempre sem perder a ternura por muito tempo como ressentido
Pois é no meio familiar que se aprende a paciência de perdoar
Devido à imposição de um conviver desmedido.
 Busco compartilhar com Ela o tempo que escoa, não apenas como um filho
Que reconhece a imensidão da trajetória desta alma simples e vasta
Que construiu seu saber como um rio, erodindo o caminho que a arrasta
Da vida camponesa para povoar um mundo tecnológico no novo milênio
Mais como um discípulo atento que observa cada instante como um prêmio
Um ensinamento da arte de viver, curtido pela terceira idade
Feito um testamento para ser herdado como um legado sem materialidade
Para ser guardado como um tesouro raro no coração e na mentalidade.
 Nos “oitentas”, como se diz, está-se no lucro!
Vivendo, como poucos, os dividendos do tempo da vida
Onde cada momento é denso de significados e recordações
Mas Dona Ciça, sempre cheia de tarefas e planos por fazer
Vive o presente, criando com agulhas e linhas a sua arte de invenções
Produzindo com as próprias mãos novos objetos no mundo e com prazer
A quem imito, produzindo artesanalmente escritos em versos e prosas
Pensando ter herdado o segredo do bom e sereno envelhecer
Que é manter o corpo e a mente criativamente ocupados de afetos.

Tomara que eu chegue lá com tamanha lucidez e energia de viver
E com alegria para merecer igual admiração de meus filhos e netos.

Valeu Dona Ciça, minha mãe e minha mestra!

VARIAÇÕES ADVERBIAIS


Nunca é nada
     E nada é nunca
          Na vida...
              Tudo é sempre
                   E sempre é tudo
                        Na morte...
                                         Nada é sempre
                                              E nunca é tudo
                                                  Na vida...
                                                       Sempre é nada
                                                            E tudo é nunca
                                                                 Na morte...

                                                                      Sempre é nunca
                                                                      E tudo é nada
                                                                      Nunca é sempre
                                                                      E nada é tudo
                                                                      Na vida e na morte.

Verbete de dicionário

Mordaz:
             que morde;
             que corrói;
             que é picante;
             que é pungente;
             que é satírico;
             que é maledicente.

IMPERMANÊNCIAS


Tudo é impermanente
Mais as horas que o relógio
Mais o gesto que a mão
Mais o eu que a imagem
Mais o corpo que o nome
Mais a vida que a alma
Alma?
Tudo é impermanente
Mais a certeza que a dúvida
Mais o desistir que o querer
Mais a desgraça que a esperança
Mais a fome que a miséria
Mais a guerra que a paz
Paz?
Tudo é impermanente
Mais a segurança que o medo
Mais a paixão que o amor
Mais a compaixão que a indiferença
Mais a água que a terra
Mais o planeta que o Cosmos
Mais o universo que Deus
Deus?
Tudo é impermanente.

Direito de Resposta à Rilke


Deixa estar...
Tem males que vêm pra bem
E bem que vem pra piorar.
Mas eu posso responder à Rilke
As suas indagações a um jovem poeta:
-Se fui mesmo forçado a escrever? Sim
Por raízes de recantos profundos de minha alma
E construí minha vida de acordo com esta necessidade
Escrevendo como se fosse o primeiro homem
A contar o que vê, vive, ama e perde
Portanto tenho o direito de fazê-lo por destino
Com a minha solidão de criança no mundo.

CORRIDA MALUCA


Na imensidão desordenada do inconsciente
Remamos apertados no caiaque do ego
Guiados pela bússola desorientada do superego
Numa corrida mental em busca de nós mesmos
E contra o tempo do prazo de validade da vida
Onde todos, fascinados, somos “Kids Vigaristas”
Trapaceando atalhos e desvios para algum paraíso
Em belas ilhas de afrodisíacos prazeres fáceis
Pra não ver no horizonte a bandeira de chegada.

Brejo das Almas

Estive com o pé no barro
Quase que me atolei no além
Se a corda da minha vida
Não é tão forte e comprida
Fico no brejo das almas também.

O BROTO DA MAÇÃ MORDIDA


A maçã verde que Adão mordeu com prazer
Levou milênios encruada para amadurecer
Até cair de madura na cabeça do Newton
(Que a levitação dos astros com ela entendeu)
Para só depois de vários séculos reflorescer
Gravando em vinil as canções dos Beatles
(Que despertaram na juventude a poesia de viver)
E após décadas frutificar, como um virtual prêmio
No paraíso digital das gerações do terceiro milênio
Em lap-tops e iPhones com a logomarca da Apple mordida
Frutos sensíveis ao toque humano na busca da esperança perdida
E que ostentam nos ramos virtuais da tela da web o saber do gênio
De um oráculo onipresente, um Google brotado da fruta apodrecida
Que inaugura o novíssimo testamento bíblico, filosófico e poético da vida.

O CÁRCERE PRIVADO DO ENIGMA

Dentro de mim vive o ser primitivo
Descrito no Mito da Caverna por Platão
E cogitado por Descartes como existente por pensar
Que Kant o ilhou no cárcere do pensamento
Sem acesso ao si das coisas ao seu redor além do imaginar
E que a ciência uniformizou como sujeito-cidadão.

Dentro de mim ainda vive este ser medonho
Mantido em secreto calabouço escuro
Devido a sua presumível feiúra assustadora
E temível monstruosidade devastadora de sonhos
Que Freud o localizou agonizante na mente
Como um náufrago se debatendo no inconsciente
E que Jung percebeu este universal ser primitivo
Como sendo um arquétipo do inconsciente coletivo
Feito a hegeliana fenomenologia do espírito em evolução.

Contudo, dentro de mim, continua enjaulada a fera
Com a qual o máximo de aproximação que consigo
É perscrutar seus humores e inquietações ruidosas
Manifestadas por palpitações ofegantes e guturais suspiros
Nas sensações depressivas de sufoco e vazio no peito
Que de súbito faz sofrido até quando meramente respiro
Sem se revelar onde e como se abre esta privada prisão.

Meditar, romper com o lacaniano estádio do espelho
Que seqüestrou o meu ser essencial pela minha imagem
Tem sido o meu martelo nietzscheano de quebrar a racionalidade
Este novo ídolo feito do preconceito contra o misticismo dos antigos
E meu modo de ainda tentar estabelecer um sinistro contato direto interior
Com este ser soterrado nos escombros culturais da pós-modernidade
Enquanto haja vida fluindo entre o corpo que aprisiona, à sua imagem
E a alma prisioneira milenar, que feita enigma não se deixa desvendar:
Dentro de mim penso que vive um eu, mal talvez seja pura imaginação.


SIGNIFICAÇÃO DE SÍGNOS




Tudo tem a sua significância
Mesmo o que é considerado insignificante
É estremamente significativo
Para a hierarquia dos significados
Em nossos valores de significações
Do que importa e o que nada significa
Para o significado das emoções significativas.

DENGOSOS ALADOS


Sanitariamente, poesia à parte
Se em termos de saúde pública
As pombas urbanas são como ratos voadores
Os mosquitos contágio-transmissores
São como hipodérmicos aparelhos de injeção alados
Que com a agulha de seus inocentes bicos finos
Picam nos sadios o sangue dos contaminados
Provocando epidemias como frios assassinos
Feito o Aedes aegypti com a dengue homorrágica
Que fez fama da Ásia aos trópicos da África e América
Fazendo da proliferação do arbovirus a sua arma do crime
Conseguiu criar uma mundial tragédia modernamente homérica
Com a pandemia da dengue que, sem dengo, é cruel e firme.

A Sustentável Leveza do Ser

Viver a vida curtidamente
sem pressa de querer e desejar
mais do que pode realizar
o braço e o bolso
e a perna alcançar

Curtir a vida vividamente
de modo que a perna e o braço
e o bolso possam realizar

Viver a vida curtida na mente
sem depender do bolso para andar

Viver a vida na pernada vivamente
Tal que o braço possa com leveza sustentar.

VOYEUR DO OLHO MÁGICO




         Pelo olho mágico da minha porta
              Vejo outras portas no corredor
                     E os olhos destas outras tantas portas
                          Vêem o meu olho observador
                               O espaço de visão das nossas portas
                                     É o condomínio de expiação da solidão.

O ELO DO ÉDEN PERDIDO



E pensar que eu próprio
Que hoje vivo desta forma aburguesada
Quando guri, nadava solto no rio
Andava descalço nos matos
E nos morros cobertos de geada
Vivia como índio, em orfanatos
Bebendo, no chão, água de vertente
Sonhando em crescer para virar gente...

E pensar que eu era um filhote de animal humano
Naturalmente feliz no existir cotidiano, sem pensar.

Filosófica Conversão Tibetana


Tentei modificar o mundo
Com a revolução hippie dos costumes
Tentei mudar o meu país
Elegendo um operário presidente
Tentei melhorar o meu Estado
Colocando os trabalhadores no poder
Tentei aperfeiçoar a minha cidade
Sob o comando de líderes do sindicalismo
Tentei otimizar o meu local de trabalho
Gerenciando eu próprios as modificações
E tentei encontrar a explicação no filosofismo
Pra sucessivos fracassos e tantas decepções
Agora, como última tentativa ainda viável
Tento transformar a mim mesmo pelo budismo
Convertido por uma causa ecologicamente sustentável
Que equilibre harmoniosamente o pensar e as emoções
Como a única mudança possível neste mundo do imediatismo.

Caminhando desde 1968

Eu hoje fui às lágrimas até
Ouvindo Geraldo Vandré
Explicando: Gente, a vida
Não se resume em festivais!
Como quem diz: As “marmeladas”
Estão instaladas em todos os cais...da vida

Foi pelo momento de poética catarse coletiva o meu choro
Catarse ocorrida no mais puro estilo popular, em coro
(Como nas antigas tragédias gregas encenadas)
Com a massa gritando enfurecida: É marmelada!!
E o grito se propagando feito flechas pelos ares
Via rádio e TV em P&B ecoando pelos lares...
Talvez o único momento em nível de Brasil
Com o povo e a flor enfrentando o canhão e o júri:
“Com a história na mão, caminhando e cantando
E seguindo a canção”... contra o coturno e o fuzil
(Seguindo a poesia da canção e não cartilhas de subversão).

Calados, Vandré e nós, o coro da canção
Que caminhamos várias utopias desde então
Chegamos até aqui esperando acontecer sem crer
E eis que chego à conclusão desta longa caminhada:
Gente, a vida é uma grande marmelada!

Sonhos Abortados


                               Sonho bom
                               Se sonha até o fim
                               Sem acordar
                               Não fica recordação
                              São como vidas passadas...

              Sonho ruim, em que se chora
              É como o viver de agora
              Se acorda no meio da ilusão
              Sobressaltado pelo feio
              Não se consegue esquecer
              Nem dormir de novo de receio
              De voltar pro meio do mesmo sofrer

                     Para a mente os reais sonhos sonhados
                     São estes sonhos abortados
                     Que são a vida dormida da qual acordamos
                     Em fuga, com medo e assustados
                     Não os feitos metáforas de desejos
                     Que diz sonhar acordada toda a gente
                     Nem os bons sonhos inconscientes
                    Que ao amanhecer nem são lembrados.