IMPERMANÊNCIAS


Tudo é impermanente
Mais as horas que o relógio
Mais o gesto que a mão
Mais o eu que a imagem
Mais o corpo que o nome
Mais a vida que a alma
Alma?
Tudo é impermanente
Mais a certeza que a dúvida
Mais o desistir que o querer
Mais a desgraça que a esperança
Mais a fome que a miséria
Mais a guerra que a paz
Paz?
Tudo é impermanente
Mais a segurança que o medo
Mais a paixão que o amor
Mais a compaixão que a indiferença
Mais a água que a terra
Mais o planeta que o Cosmos
Mais o universo que Deus
Deus?
Tudo é impermanente.

Direito de Resposta à Rilke


Deixa estar...
Tem males que vêm pra bem
E bem que vem pra piorar.
Mas eu posso responder à Rilke
As suas indagações a um jovem poeta:
-Se fui mesmo forçado a escrever? Sim
Por raízes de recantos profundos de minha alma
E construí minha vida de acordo com esta necessidade
Escrevendo como se fosse o primeiro homem
A contar o que vê, vive, ama e perde
Portanto tenho o direito de fazê-lo por destino
Com a minha solidão de criança no mundo.

CORRIDA MALUCA


Na imensidão desordenada do inconsciente
Remamos apertados no caiaque do ego
Guiados pela bússola desorientada do superego
Numa corrida mental em busca de nós mesmos
E contra o tempo do prazo de validade da vida
Onde todos, fascinados, somos “Kids Vigaristas”
Trapaceando atalhos e desvios para algum paraíso
Em belas ilhas de afrodisíacos prazeres fáceis
Pra não ver no horizonte a bandeira de chegada.

Brejo das Almas

Estive com o pé no barro
Quase que me atolei no além
Se a corda da minha vida
Não é tão forte e comprida
Fico no brejo das almas também.

O BROTO DA MAÇÃ MORDIDA


A maçã verde que Adão mordeu com prazer
Levou milênios encruada para amadurecer
Até cair de madura na cabeça do Newton
(Que a levitação dos astros com ela entendeu)
Para só depois de vários séculos reflorescer
Gravando em vinil as canções dos Beatles
(Que despertaram na juventude a poesia de viver)
E após décadas frutificar, como um virtual prêmio
No paraíso digital das gerações do terceiro milênio
Em lap-tops e iPhones com a logomarca da Apple mordida
Frutos sensíveis ao toque humano na busca da esperança perdida
E que ostentam nos ramos virtuais da tela da web o saber do gênio
De um oráculo onipresente, um Google brotado da fruta apodrecida
Que inaugura o novíssimo testamento bíblico, filosófico e poético da vida.

O CÁRCERE PRIVADO DO ENIGMA

Dentro de mim vive o ser primitivo
Descrito no Mito da Caverna por Platão
E cogitado por Descartes como existente por pensar
Que Kant o ilhou no cárcere do pensamento
Sem acesso ao si das coisas ao seu redor além do imaginar
E que a ciência uniformizou como sujeito-cidadão.

Dentro de mim ainda vive este ser medonho
Mantido em secreto calabouço escuro
Devido a sua presumível feiúra assustadora
E temível monstruosidade devastadora de sonhos
Que Freud o localizou agonizante na mente
Como um náufrago se debatendo no inconsciente
E que Jung percebeu este universal ser primitivo
Como sendo um arquétipo do inconsciente coletivo
Feito a hegeliana fenomenologia do espírito em evolução.

Contudo, dentro de mim, continua enjaulada a fera
Com a qual o máximo de aproximação que consigo
É perscrutar seus humores e inquietações ruidosas
Manifestadas por palpitações ofegantes e guturais suspiros
Nas sensações depressivas de sufoco e vazio no peito
Que de súbito faz sofrido até quando meramente respiro
Sem se revelar onde e como se abre esta privada prisão.

Meditar, romper com o lacaniano estádio do espelho
Que seqüestrou o meu ser essencial pela minha imagem
Tem sido o meu martelo nietzscheano de quebrar a racionalidade
Este novo ídolo feito do preconceito contra o misticismo dos antigos
E meu modo de ainda tentar estabelecer um sinistro contato direto interior
Com este ser soterrado nos escombros culturais da pós-modernidade
Enquanto haja vida fluindo entre o corpo que aprisiona, à sua imagem
E a alma prisioneira milenar, que feita enigma não se deixa desvendar:
Dentro de mim penso que vive um eu, mal talvez seja pura imaginação.