ÓCIO LITERÁRIO












Meu ócio desde sempre foi forjar o meu escrever
Mas feito o sujeito que tivesse inventado a roda
E que nunca teve o insight de criar o eixo
Por mais sucesso que o adorno fizesse na moda
Faltava algo na roda pra de todos fazer cair o queixo
Assim, por mais escritos que eu faça acontecer
Sempre faltará o eixo do talento raro no meu escrever.

MEDO DO NOVO

No aconchego do útero materno
Nasce em nós o medo do novo
Ao migrarmos do mundo aquático
Para o terráqueo, fora da casca do ovo
      Depois tudo é novidade
      E o medo se reproduz e faz ninho
      Como um novo medo em cada idade:
      Medo...
                  de respirar
                  da amamentação, do mastigar sozinho
                  do falar
                  da escola, do mudar de escola
                  de pensar
                  do emprego, do novo emprego
                  do desempregar
                  do casamento, do vazio do fim do amor
                  de encalhar
                  da aposentadoria, do tempo todo vago
                  de caducar,
                  do alzheimer, de esquecer quem somos
                  de entrevar
                  da morte, da dúvida de ser ou não o fim de tudo
                  de penar.

DESÍGNIOS

É madrugada
A lua está minguando
Refletida nas poças de lágrimas
Represadas nos olhos da amada
Que nem sabe que está chorando
Pela impotência da luz solar
De penetrar na noite enluarada...

TRANSE DA INSPIRAÇÃO


Às vezes
os meus pensamentos obscurecem
sob o efeito das sombras
de asas diabólicas
que sobrevoam o meu cérebro
      Mas outras vezes
      meu cérebro se ilumina
      por luzes de supernovas idéias
      que fazem o pensamento vibrar
             Assim, do nada, se agita o sangue
             o coração dispara a acelerar
             e se realiza o transe
                     Então, passo a agir hipnotizado
                     fico possuído pela inspiração
                     autômato, da realidade perco a noção
                     até, como agora, nascer este poeminha
                     que, por mínimo que seja, faz tamanha confusão.

O VELHO CHICO

O rio São Francisco visto da beira
Das dunas de areia do deserto de sua foz
Parece ser um rio comum na cheia
Pois nem se ouve na pororoca a sua voz
O Velho Chico visto de dentro de suas águas
Impõe respeito por se revelar profundo
E por separar Estados como mundos
Em suas margens de nordestinas praias
Mas o Grande São Francisco visto do alto
Sob nuvens pela pequena escotilha do avião
É que se expõe em sua imensa real dimensão
E nos emociona por nos surpreender de assalto
Serpenteando em meandros do limite do olhar
Por toda terra até a outra linha do horizonte no mar
Como um espelho d’água atravessando o planeta
Feito uma vertente que escoa como um rastro de cometa
E que tem por nascente pontual o céu de cima, no oeste
Até ser represado no Atlântico mar de baixo, ao leste
De quem volta do nordeste para o extremo-sul, a voar.